Devotos enfrentam calor e cansaço para pagar promessas em Aparecida

Todos os anos, Nelson Martins, 63, carrega sua cruz. Desta vez, ele saiu de sua casa em Santa Branca a pé, sandálias nos pés e uma mochila pequena nas costas, na segunda (9). Nesta quinta (12), estava a 7 quilômetros de seu destino, Aparecida, quando a reportagem o encontrou na via Dutra.

“Já escapei de muito na vida, Nossa Senhora já salvou minha vida”, ele dizia, desacelerando o passo, arrastando a cruz de 1,80 metro nos ombros.

Explicava que o esforço, repetido anualmente há mais de uma década, não agradecia nenhuma graça específica nem pedia nada especial à Santa. Ele conta que o pai reapareceu depois de sua primeira romaria, em 2007. Estava havia 20 anos desaparecido.

Como Martins, a reportagem encontrou peregrinos que vêm a Aparecida anualmente, para agradecer “por tudo”. Ninguém com quem a reportagem conversou era devoto de primeira viagem.

O gerente Jovair Ferreira, 33, embarcou com mulher e filho em Monte Carmelo, cidade do triângulo mineiro, na terça (10). Doze horas de viagem depois, chegaram a Aparecida, como fazem todos os anos.

Deitados sobre uma toalha no chão, o casal tomava um sorvete de Itu (picolé gigantesco sabor napolitano, uma iguaria de Aparecida) enquanto contava à reportagem que a procissão é só por agradecer “por tudo”, genericamente. Tinham acabado de assar um churrasco, não incluído no pacote de R$ 250 que dá direito a passagem de ônibus e refrigerante.

A organização do Santuário Nacional esperava 200 mil pessoas para este 12 de outubro, celebração do Jubileu de 300 Anos de Nossa Senhora Aparecida. Até as 12h desta quinta, 155 mil compareceram, segundo a entidade. No ano passado, durante todo o dia, foram 140 mil.

Além de cruzes, romeiros carregam consigo ofertas de toda sorte a Aparecida: imagens da Santa, roupas, miniaturas de carro, réplicas de parte do corpo humano.

No fim da tarde desta quinta, Fátima Aparecida de Paula (“Minha mãe era muito devota”, ela explica, sorridente, o nome duplo de santas), 60, depositou no balcão da Sala das Promessas uma imagem antiga de Nossa Senhora Aparecida.

“Era da minha mãe. Ela teve essa imagem a vida toda e morreu faz quatro anos, era um pedido dela que eu trouxesse aqui”, conta Fátima, que emenda: “E eu recebi uma Graça muito especial, saiu minha aposentadoria!”

ROMEIROS
Segundo a CCR, concessionária que administra a Dutra, 18 mil romeiros vieram a pé até Aparecida desde 1º de setembro -só nesta quinta, da meia-noite às 11h, foram 8.500.

No meio da estrada, voluntários como o casal Vinicius e Rose distribuíam garrafas de água gelada e café aos caminhantes. “Saí do desemprego em maio, o mês dela [Nossa Senhora]”, ele conta.

Os devotos chegavam de toda forma à cidade religiosa: descalços, de sandálias crocs. Havia também quem viesse de bicicleta.

“É muita fé!”, berrava um ciclista sorridente de braços abertos, levando no peito uma estampa da santa, ao cruzar a ponte que conduz até a entrada principal da cidade.

Quando cruzou o portal que indica a entrada da cidade, Josane Boechat disse que sentiu uma “lavagem de luz”. Carioca, ela andou por 14 dias, acompanhada por duas amigas, desde Atibaia.

“Chorei mesmo”, conta Josane. A romaria era também a comemoração de seu aniversário de 59 anos, completados nesta quinta (12).

Em comum, todos os fiéis aparentam um cansaço extremo, mas menor que a devoção. Perto das 7h30, igreja lotada, um padre celebrava uma das primeiras missas do dia e puxou o cântico: “Mãezinha do céu, eu não sei rezar…”.

Sentados nos bancos, deitados chão, encostados nas colunas, ainda havia fôlego para cantar a uma só voz: “Eu só sei dizer, eu quero te amar”.

Fora do templo, havia filas por todos os lugares -o movimento refluiu consideravelmente após as 14h. Era preciso esperar para comprar velas, para acendê-las, para ver a imagem de Aparecida de perto (pela manhã, levava-se no mínimo três horas) e para comer.

Sob o sol de 30°C, houve quem não resistisse até a eucaristia na missa solene. Bombeiros circularam com cadeiras de rodas pela multidão, atendendo quem passava mal -a reportagem viu três casos. Segundo a organização, foram mais de 300 atendimentos médicos, a maioria relacionados a mal estar, pressão baixa ou desmaios em razão do calor.

POLÍTICOS E PAPA
Ausência de políticos foi sentida em Aparecida. A organização convidou autoridades, incluindo o presidente Michel Temer (PMDB) -que gravou um vídeo lembrando a data e enviou o ministro-chefe da Secretaria de Governo, Antonio Imbassahy (PSDB), para representá-lo.

“Se eu fosse presidente do Brasil, eu viria, não é?”, disse o reitor do Santuário Nacional, padre João Batista, a jornalistas, após a missa campal. “Eu acho que é uma questão até de assessoria. Vai ver os assessores não atentaram pra isso. Olha, é a padroeira do Brasil. É algo importante. Mas a gente respeita”, afirmou o sacerdote.

Batista citou como exceção o governador Geraldo Alckmin (PSDB), declaradamente católico, que disse frequentar Aparecida desde quando era prefeito da vizinha Pindamonhangaba. Alckmin levou seus secretários, Rodrigo Garcia (habitação) e Samuel Moreira (Casa Civil). Sentou-se na primeira fila durante a missa solene, realizada na área externa do santuário.

As autoridades foram vaiadas brevemente pelos fiéis, quando foram anunciadas no início da cerimônia. “Não ouvi vaia nenhuma”, respondeu Alckmin, quando questionado sobre a manifestação do público.

Além de autoridades políticas, faltou o papa Francisco na celebração. Em 2013, quando esteve em Aparecida, ele prometeu que viria para os 300 anos da padroeira. Em vídeo, ele falou que o brasileiro precisa ter fé contra a corrupção.

“Não se deixem vencer pelo desânimo”, disse o papa, que repetiu a frase: “Não se deixem vencer pelo desânimo. Confiem em Deus.”

“O Brasil hoje necessita de homens e mulheres cheios de esperança e firmes na fé, que deem testemunho de que o amor manifestado na solenidade e na partilha é mais forte e luminoso que as trevas do egoísmo e da corrupção”, disse.

FOLHA PE

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